
Não acredito que tu não gostes de uma boa história! Se não gostasses não estarias aqui, certamente.
Eu adoro histórias.
Gosto de as ouvir mas também de as contar, melhor do que isso, gosto de as escrever, sempre na esperança de que algum dia, alguém as irá ler, eu releio as minhas histórias algumas vezes.
De todas as vezes que releio (as minhas ou outras) descubro palavras novas, cores diferentes ou mesmo alguns sentimentos escondidos.
Começar com o pé direito!
Quando era miúda, provavelmente nos meus 5, 6 anos, lembro-me (não sei se de lembrança mesmo ou se de ouvir a minha mãe contar), das histórias da minha avó Aldora.
Nós íamos à missa ao Domingo e ela sempre dizia que devíamos entrar com o pé direito (o tal do dextro pede). Confesso que esta preocupação de uma vez por semana não me baralhar com os pés era algo que mexia com o meu estado de liberdade, transformando-me na libertária (mas nunca libertina) que hoje sou.
Alguns anos mais tarde, pelos 16, 17 anos, consegui fazer um acordo comigo (própria por pleonasmo); entraria sempre com o pé direito, apenas se fosse a primeira vez nessa igreja. Este ano que terminou, durante o Caminho de Santiago, descobri que, mesmo inconscientemente, este meu acordo mantém-se, afinal, eram tantas as igrejas a visitar e o pé direito comandou em todas elas.
O sinistro como força do mal!
Sabemos bem que, tal como nos remete a própria palavra de origem latina “esquerda”, ninguém quer andar sinistro neste mundo, tão pouco com a “força negativa” ao nosso lado.
Metendo as superstições e crenças dentro da cartola para outras escritas mágicas, “esqueço-me” sempre de fazer o tal pedido obrigatório quando se entra pela primeira vez numa igreja.
Acho que o facto de entrar com o pé direito, só por si, já é um pedido de que as forças positivas nos acompanhem, já é um “direito” que eu tenho, de esperar que o melhor acontecerá.
As duas faces de uma só moeda
Em Dezembro, todos nós dirigimo-nos mútuos desejos para entrar com o pé direito no novo ano, nesse preciso dia 1 de Janeiro.
Este dia que nada mais é do que uma celebração criada pelo homem (tal como tantas outras é verdade – sai uma no cravo e outra na ferradura ), não tem nada a ver com as luas (como o ano novo chinês), com o periélio (que este ano ocorreu a 04 de janeiro), com os equinócios nem mesmo com os solstícios (pelo menos o de Inverno vá, que sempre colocava o ano novo antes do Natal).
Este primeiro dia, o dia das 365 (+1) novas oportunidades e recomeços, está agarrado apenas ao tal do Deus romano Jano, ou Janus, (que deu origem ao nome do mês de Janeiro, segundo conta a lenda), e que é um Deus representado por duas faces, cada uma virada para lados opostos; para o passado e para o futuro, para os novos começos e para os fechos de velhos ciclos, o Deus das escolhas e das decisões.
É tão válido como outra assunção qualquer, mas para mim, ainda prefiro achar que entrar com o pé direito na igreja faz-me abrir novas portas e novos recomeços, quanto ao novo ano de 01 de Janeiro, confesso; tanto faz.

Resoluções de ano novo!
E o que dizer das resoluções de ano novo!!!!!!
Daquelas listas tipo rol de mercearia antiga (sem querer ser extensa no calote) com tudo o que vou fazer, vou esquecer, vou iniciar, vou concluir ou vou deixar de fazer. Se as faço, (às listas, claro) mesmo que mentalmente?
Não, na verdade acho que nunca as fiz! Para mim, cada dia é uma nova resolução de fazer, de concretizar, de viver, ou até de ser. Cada dia é um poder absoluto da natureza e da renovação!
Nem sequer as 12 passas consigo comer sem me repetir pelo menos umas 10 vezes nos desejos para o novo ano; falta de imaginação dirão alguns, falta de ambição, dirão outros! Falta de crença talvez, ou substituição por outra crença ou forma de ver este dia 01.

Regresso ao passado!
No mês passado, e não particularmente por ser Dezembro dei por mim a pensar nos inícios e nos recomeços, nas novas oportunidades e nas armadilhas que o passado nos guarda na mente.
E, já que estava na Madeira, fui à Igreja, aquela onde eu ia todos os domingos até aos meus 12 anos, antes de saber negociar comigo própria e antes de acreditar que o futuro podia ser mesmo do outro lado da porta, e que do lado de cá alguém teria de trancar a porta à chave, senão eu teria sempre a tentação de voltar àquele passado.
O passado estava ali, tal e qual como eu me lembrava dele, sem lamentos e sem armadilhas, apenas mais vazio. Mas aquele era o meu passado, o meu pote de ouro, aquilo era meu, todo aquele espaço, todas aquelas pessoas que crepitavam por entre os meus pensamentos, aquelas vozes tão familiares, os sorrisos, risos e gargalhadas dos meus amiguinhos, das minhas vizinhas, dos amigos dos meus irmãos que eram sempre mais velhos e falavam sempre mais alto, a mão da minha mãe a agarrar a minha a garantir que eu não agarrasse a mão errada, tal como ela fizera em miúda.
Aquela era eu com toda a vida que já me esperava, com todas as seguranças que já tinha, com toda a certeza de que ao descer o beco no caminho para casa, eu poderia saltar e pular sem medo, porque tudo aquilo era eu, mais do que meu! Tudo aquilo era o esboço do que eu iria fazer com o meu futuro.
Cada dia do nosso presente é sempre um dia do futuro que nós vamos desenhando. Do passado ficam, as lembranças, as pontes, as vitórias, as forças com que nos desenrolamos do futuro.

Desenhar o futuro
E hoje, neste meu presente de regresso ao átrio da “minha” Igreja, dei por mim a entrar, pé ante pé, pela milésima vez, ao ouvir a voz da minha avó (ou seria da minha mãe a contar a história), “Não te esqueças de entrar com o pé direito.”
De repente lembrei-me que também nós acrescentamos regras e crenças aos rituais já existentes e que, cada vez que entro numa nova igreja não entro apenas com o pé direito, subo com o pé direito todos os degraus da sua entrada, afinal, quem saberá dizer-me qual é a exacta entrada de uma igreja; o primeiro degrau ou aquele que atravessa o limiar da porta, da segunda porta ou da primeira, sim porque várias igrejas têm várias portas, e não vais querer falhar nenhuma delas.
E se é para atravessar os portais da nossa vida, que seja de cabeça erguida, mente firme, olhos bem abertos e o pé direito à frente do esquerdo.
Porque este novo ano, tal como todos os novos anos e novos dias que se nos metem no caminho, é uma nova oportunidade de comermos algumas passas, até pode ser uma em cada mês, deixar entrar o tempo, como se ele fosse mesmo nosso nesta contagem dos dias, não os de ontem, mas os de amanhã.

Depois de todas estas divagações consegues visualizar-te com 10, 12 anos?
Consegues ver-te no passado e sentir que o teu futuro já está ali? Que tu já és quem ali está?
Consegues viver as 00h horas de um dia qualquer e pensar, vou sonhar hoje (comer uma passa se for preciso, mesmo não gostando), acreditar e levantar o queixo, ou vou esperar pelo dia 01 de Janeiro, seja de que ano for!
Vais esperar ou vais acreditar que mereces o dia de hoje, porque ele é teu, e vais pedir o teu desejo para amanhã, porque é assim que se somam os dias.
FLOWBE
Porque os dias de ontem, que foram todos meus, (ou os teus, que foram todos teus), são os que trazem a esperança, a força e a vontade de fazer do dia de hoje uma conquista de novos planos, de sonhos maiores, de mais desejos e de projectos grandiosos de que se fazem os nossos caminhos.
Como uma onda fluida, serena e silenciosa, sê tu, sê hoje, sê no teu tempo.

E desejo-te um feliz ano novo, a partir de hoje ou de quando assim o decidires.
Até breve